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quinta-feira, 31 de março de 2011

A interação entre o conceito de Estado e a nacionalidade.

Por José Eduardo Figueiredo de Andrade Martins
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Aluno do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado.     

Assim como definem quase que unanimemente os doutrinadores, a existência do Estado está condicionada a três fatores indispensáveis: soberania, território e povo.
  Sem a pretensão de se esgotar o assunto na seara dos conceitos de cada um dos fatores, tendo em vista as discussões existentes, tem-se a visão tradicional que a soberania é o fator formal, traduzido pelo poder exercido pelo Estado sobre o território e o povo, estabelecendo sua organização política sem a interferência de outro Estado. O território, por sua vez, como fator material, é a base física ou geográfica do Estado, que estabelece os limites da soberania, define as fronteiras pelas quais o Estado poderá exercer o seu poder supremo. Por fim, o povo, também como fator material, é definido como o conjunto de pessoas que pertencem ao Estado, ligados por um vínculo jurídico-político chamado de nacionalidade.
  Ocorre que nos tempos atuais, com o avanço das legislações pátrias decorrentes da cada vez maior interação e desenvolvimento dos países, principalmente por conseqüência da globalização, os fatores elementares do Estado necessitam de mecanismos funcionais e claros para que consiga proteger o seu povo e território através do exercício pleno de sua soberania. Como forma elucidativa, será tomado o exemplo das relações entre Estados, em especial o brasileiro, no tocante à nacionalidade.
  O indivíduo está intimamente ligado a um Estado através de sua nacionalidade, pois esta cria, conforme já dito, um vínculo jurídico-político entre eles, fazendo com que aquele possa desfrutar de direitos e se submeta a obrigações impostas por este. Este vínculo, contudo, não nasce somente a partir do nascimento no território em que aquele Estado exerce sua soberania, mas também pode decorrer de uma aquisição voluntária, nos termos da legislação do país que se pretende adquirir a nacionalidade. É a chamada dimensão vertical da nacionalidade, expressão criada por Paul Lagarde para classificar referido vínculo criado entre o indivíduo e o Estado.
  Especificamente no caso da República Federativa do Brasil, a Constituição Federal cria a possibilidade de aquisição da nacionalidade de forma originária ou voluntária, podendo o indivíduo, conforme o caso, ser brasileiro nato ou naturalizado. Conforme o artigo 12, I, o brasileiro nato é aquele definido pelo critério ius solis e ius sanguinis, conjugado com os termos que especifica. Por outro lado, o brasileiro naturalizado, estampado no inciso II do mesmo dispositivo, ocorre de forma expressa, por meio de um procedimento de naturalização, nas situações que especifica.
  A primeira questão a ser levantada é a seguinte: a partir do momento que a Constituição Federal diferenciou o brasileiro nato do naturalizado, há alguma outra distinção além da nomenclatura e do modo de sua aquisição? A resposta é afirmativa. Ainda que a regra geral seja de igualdade, consoante o princípio da isonomia adotado pela Carta Magna, o artigo 12, parágrafo 2º prevê que ela própria poderá ressalvar casos em que há tratamento diferenciado.
  Exemplo claro é o da extradição. O artigo 5º, inciso LI veda a possibilidade de extraditar o brasileiro nato, mas define duas situações em que o naturalizado poderá sofrer essa sanção: no caso de prática de crime comum antes da naturalização e pela prática de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, seja antes ou depois da naturalização.
  Dentre suas peculiaridades, pode-se afirmar que seu procedimento está previsto, basicamente, na Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) e no Regimento Interno do STF, haja vista que este tribunal é o competente para análise do mérito do pedido, isto é, pronunciar acerca da legalidade e procedência do pedido, conforme artigo 102, inciso I, alínea “g” da Lex Major. Além disso, é desejável, ainda que não seja motivo impeditivo, o Estado brasileiro possuir Tratado de Extradição com o Estado estrangeiro que queira realizar a medida, como forma de facilitar o trâmite do procedimento.
  A principal razão da distinção criada pelo constituinte neste caso é provavelmente fundada na hierarquia de valores e de bens jurídicos tutelados pela Constituição. O tráfico de drogas e entorpecentes é tido como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, cláusula esta posta como pétrea, ou seja, inalterável e insuprimível. Além disso, o combate ao tráfico é destacado como objetivo primordial da polícia federal no artigo 144, parágrafo 1º, inciso II e objeto de programa de prevenção e atendimento especializado específico à criança, ao adolescente e ao jovem dependente no artigo 227, parágrafo 3º, inciso VII. Como se não fosse o bastante, é um dos motivos mais freqüentes de expulsão do estrangeiro, consoante se extrai da leitura do sítio do Ministério da Justiça[1]. O crime comum, por sua vez, só terá importância concreta, real ao Estado brasileiro a partir do momento em que é cometido por um brasileiro, pois cometido por indivíduo integrante de seu povo.
  Ora, o indivíduo que era estrangeiro e se tornou brasileiro naturalizado passou por todo um procedimento de naturalização, sendo esperado que seu acolhimento trouxesse benefícios, vantagens para o Estado brasileiro; era esperada uma contribuição positiva. Ocorre que sua atuação foi contrária: causou grave violação ao ordenamento jurídico, aos principais valores reconhecidos pela Constituição e, dessa forma, sua punição deve extrapolar a garantia antes concedida pela nacionalidade. O povo, portanto, ainda que fator essencial do Estado, pode ter o vínculo político-jurídico parcialmente dissolvido quando se tratar de brasileiro naturalizado nos casos de extradição previstos constitucionalmente.
  Só que o Estado não possui apenas medidas compulsórias de distinção entre nacionais, mas também entre estes e os estrangeiros. Existem medidas que impedem a permanência de estrangeiro no Estado brasileiro, como uma exceção ao princípio geral da isonomia (aplicável não somente aos brasileiros, mas a todos os seres humanos que estejam no território brasileiro) adotado pela Carta Magna. Adianta-se que se tratam de medidas que reforçam a soberania de um Estado sobre o seu território, em defesa de seu povo, exercendo seu poder absoluto para manter a sua unidade orgânica.
  Tratemos inicialmente da medida mais comum ao cotidiano: a deportação. Diferentemente da extradição que está relacionada a um delito, a deportação trata da estada ou entrada irregular de um estrangeiro em território nacional que, caso não se retire voluntariamente no prazo fixado, sua saída torna-se compulsória. Nessa situação, é nítida a imposição da soberania do Estado sobre o seu território, não permitindo a permanência de estrangeiros que não observaram o procedimento previsto para que nele ingressem.
  Ocorre que em situações específicas, a deportação pode se tornar outra medida: a expulsão. Sem prejuízo da aplicação da medida sem relação à deportação, a expulsão acontece na situação de existirem indícios sérios de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro no território nacional, por ato exclusivo do Presidente da República, o qual verifica a sua conveniência e oportunidade ou os motivos de sua revogação. O artigo 22, inciso XV da Lex Major dispõe ser de competência privativa da União legislar sobre a expulsão de estrangeiro, como fora feito no Estatuto do Estrangeiro, em seus artigos 65 e 71 e na Lei nº 6.815/80, que trata do processo administrativo para aplicação da medida.
  Na hipótese da expulsão, um ponto importante deve ser destacado: é nítida a intenção do legislador e do constituinte de resguardar o povo contra atos violadores do ordenamento jurídico pátrio, evidenciando a soberania Estatal ao permitir que este expulse o estrangeiro que atente contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
   Evidência clara da soberania Estatal está na pena de banimento, vedada pela Constituição Federal brasileira. A proibição de envio compulsório de brasileiro, seja ele nato ou naturalizado, mostra que o próprio Estado deseja punir aquele que atentou contra sua estrutura. Coloca como seu dever penalizar o agente do delito. Inclusive, explica a possibilidade de somente haver a hipótese de expulsão de estrangeiro, pois como o Estado, por meio de seu poder soberano, tutelou os bens jurídicos daquele agente e dos outros integrantes do povo, a quebra dessa ordem traz ao Estado a obrigação de restabelecê-la.
  Por fim, existe a medida da repatriação, que consiste no impedimento do clandestino de ingressar em território nacional pela fiscalização fronteiriça e aeroportuária brasileira. Assim como no caso da deportação, é cristalina a imposição da soberania Estatal sobre o seu território, impedindo o ingresso de estrangeiros clandestinos.
  Por todas as medidas expostas, constata-se o seguinte: em todas há atuação ativa do Estado, exercendo seu poder soberano, ora com mais intensidade sobre o seu território, ora sobre o seu povo. O que fica claro, a bem da verdade, é a confirmação de sua soberania, do seu poder absoluto sobre os outros fatores, concretizado pelas medidas compulsórias previstas tanto pela Constituição Federal quanto pela legislação infraconstitucional.
  É necessário ressaltar, porém, que não só de medidas de distinção entre brasileiros natos e naturalizados e estrangeiros se vale o ordenamento jurídico brasileiro, mas de medidas integradoras também. Como exemplo temos as medidas de refúgio e reassentamento.
  A primeira, criada pela Lei nº 9.474/97, consiste na proteção do Estado brasileiro de indivíduos (e, às vezes, de populações inteiras) que sofrem perseguições política, racial ou étnica ou então, escapando de uma intolerável guerra que ocorre em seu Estado. Sob a denominação de refugiado, o Estado brasileiro permite que este indivíduo ingresse em seu território, se relacione com o seu povo, tudo sob o seu olhar protetor representado pelo Comitê Nacional para os Refugiados – Conare. Destarte, o estrangeiro encontra no Estado brasileiro uma perspectiva melhor de vida, a vista dos fatores que o compõem como mais favoráveis que aqueles de sua terra natal.
  O reassentamento, por sua vez, é basicamente uma conseqüência do refúgio. Ocorre quando por questões de segurança ou integração o refugiado não pode permanecer no país de origem nem no primeiro país de acolhida. No tocante à questão da segurança, verifica-se principalmente a proteção Estatal sobre seu povo, pois aquele refugiado pode ameaçar a tranqüilidade e o convívio pacífico da sociedade. Já no tocante à integração, é obrigatório esclarecer alguns pontos preliminarmente.
  Retomando a classificação criada por Paul Lagarde, a nacionalidade tem a sua dimensão vertical, já esclarecida como o vínculo jurídico-político existente entre o indivíduo e o Estado, e a dimensão horizontal, que se trata do relacionamento do indivíduo com a comunidade em que convive, que constitui o fator denominado “povo” do Estado. Esta última é, portanto, uma dimensão sociológica da nacionalidade, da relação entre os indivíduos.
  A integração está intimamente ligada ao relacionamento entre os indivíduos que compõem uma comunidade, pois evidencia o grau de relações sociais existentes e realizadas no âmbito daquele território, sob a tutela do Estado, no exercício de sua soberania. Dessa forma, o reassentamento se relaciona muito mais com a dimensão horizontal da nacionalidade do que a vertical, pois diz respeito ao prejuízo às relações sociais realizadas no território Estatal pela presença do estrangeiro refugiado. Tanto é um aspecto delicado que a própria Lei nº 9.474/97, em seu artigo 46, tratou de prever a atuação coordenada de órgãos e organizações não-governamentais para efetuar o reassentamento no Brasil.
  Por todo o exposto, é patente a existência de todas estas medidas como meio de proteção da instituição do Estado. Só que referidas medidas, apesar de terem a finalidade de manter o status quo, diferem na ênfase a qual fator elementar do Estado a proteção estará voltada. Por ora, como no caso da deportação e repatriação, a ênfase está voltada ao território. Já nos casos extradição e expulsão, o fator indispensável que recebe maior proteção é o povo. A parte disso, a soberania encontra-se presente em todos os casos, pois é dela que se originam todas as medidas aplicáveis aos nacionais e estrangeiros aqui discutidas.
  Assim, a questão da nacionalidade e seus desdobramentos estão intimamente ligados à existência do Estado, seja como forma de proteção da instituição, de combate às intervenções estrangeiras e de distinção daqueles indivíduos que o compõem ou estão autorizados a compô-lo, ora como forma de integração com Estados estrangeiros, por meio de cooperações internacionais que a passos largos contribuem para o avanço da globalização e da formação da chamada aldeia global.

Referências bibliográficas:
- BRASIL. Sítio do Ministério da Justiça. Disponível em: http://www.mj.gov.br. Acesso em 28/10/2010.
- LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A história da capacidade contributiva.


A ordem tributária brasileira sempre se regeu pelas disposições constitucionais tributárias, baseando-se nos princípios formadores de todo o sistema. A Constituição Federal tem o escopo de apresentar detalhadamente os princípios formadores relativos ao Direito Tributário.

Os princípios constitucionais revelam-se verdadeiros protetores dos cidadãos em face do poder e da soberania do Estado, criando, em verdade, uma relação de contrapeso de direitos e obrigações de cidadãos e poder público. Dentre os muitos princípios constitucionais que reservam garantias aos cidadãos, encontra-se o Princípio da Capacidade Contributiva, ditame orientador do Direito Tributário Brasileiro moderno.

Surgido singelamente pela primeira vez no Brasil através de dispositivo da Constituição do Império de 1824, conforme ensinamento de Aliomar Baleeiro[1]. O dispositivo encontrava-se inserido no Título 8ª da mencionada Carta, e dispunha o seguinte:

“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.
(...)
XV. Ninguém será exempto de contribuir para as despezas do Estado em proporção dos seus haveres[2]

Após este momento, nas Constituições posteriores, nenhum dispositivo fez menção direta à capacidade contributiva, até a Constituição de 1946. Assim, as Cartas Constitucionais de 1981, 1934 e 1937 consagraram apenas princípios que, ainda que vagamente, limitavam os exercícios da competência e da capacidade tributária, como da igualdade, proibição da bitributação, livre iniciativa, etc.

No texto da Carta Magna de 1946 ressurge, e desta vez com maior literalidade e efetividade, o dispositovo, assim dispunha o texto:

“Art. 202: Os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte.[3]

Entretanto, após o golpe militar de 1964 o movimento político foi no sentido de excluir tal princípio da Carta Constitucional, sendo por fim revogado pela Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965.

O advento da Constituição de 1967 permaneceu com o silêncio quanto à capacidade contributiva, nem a reforma quase integral promovida pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969 reintegrou ao ordenamento jurídico brasileiro o princípio da capacidade contributiva.

Porém, não obstante o silêncio do texto constitucional, a doutrina tributária elaborou tentativas de construção do princípio através de outros dispositivos, como v. g., os consagradores do direito de propriedade e livre exercício da profissão.

Foi, todavia, o restabelecimento do regime democrático, após o fim do regime militar, com o advento da Constituição da República de 1988, conhecida como Constituição Cidadã que superou a consagração da consideração implícita da capacidade contributiva, trazendo em seu texto o seguinte dispositivo vigente:

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
(...)
§1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.[4]
                                  
Tornou-se, assim, o princípio da capacidade contributiva norma de eficácia imediata, devendo o legislador, nos casos de impostos pessoais, aplicá-lo, sob pena de ser eivado de inconstitucionalidade.



[1] BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de Janeiro. Forense, 2003, p.687.
[2] Fonte: HTTPS://www.planalto.gov.br.
[3] Fonte: HTTPS://www.planalto.gov.br.
[4] Fonte: HTTPS://www.planalto.gov.br.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

Primeiramente deve-se dizer que a Ordem Econômica Brasileira é pautada nos seguintes princípios constitucionais: liberdade de iniciativa, valorização do trabalho humano, soberania nacional, livre concorrência, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa dos consumidores, defesa do meio ambiente e repressão ao abuso do poder econômico, previstos mais precisamente no art. 170 da CF/88.
O SBDC - Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é o nome que se dá para o conjunto de órgãos da administração pública, responsáveis pela prevenção e repressão a ações de ordem econômica que possam limitar ou prejudicar a livre concorrência, nos termos da Lei 8884/94.
De acordo com conceito encontrado no sítio do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), livre concorrência deve ser entendida como:

O princípio da livre concorrência está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV e baseia-se no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida por agentes econômicos com poder de mercado. Em um mercado em que há concorrência entre os produtores de um bem ou serviço, os preços praticados tendem a se manter nos menores níveis possíveis e as empresas devem constantemente buscar formas de se tornarem mais eficientes, a fim de aumentarem seus lucros. Na medida em que tais ganhos de eficiência são conquistados e difundidos entre os produtores, ocorre uma readequação dos preços que beneficia o consumidor. Assim, a livre concorrência garante, de um lado, os menores preços para os consumidores e, de outro, o estímulo à criatividade e inovação das empresas.”
Enquanto que sítio do Ministério da Justiça justifica a defesa da concorrência da seguinte maneira:

A defesa da concorrência preocupa-se com o bom funcionamento do sistema competitivo dos mercados. Ao se assegurar a livre concorrência, garante-se não somente preços mais baixos, mas também produtos de maior qualidade, diversificação e inovação, aumentando, portanto, o bem-estar do consumidor e o desenvolvimento econômico.
Note-se que a defesa da concorrência não se presta a proteger o concorrente individual, mas sim a coletividade, que se beneficia pela manutenção da concorrência nos mercados. Com relação aos consumidores, a proteção conferida pelas normas de defesa da concorrência pode ser direta (por exemplo, o combate a cartéis) ou indireta (por exemplo, preços predatórios), mas o consumidor é sempre o beneficiário final de tais normas.”

O SBDC é composto por três entes da administração pública federal, quais sejam, a SDE – Secretaria de Direito Econômico, vinculada ao Ministério da Justiça, a SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico, vinculada ao Ministério da Fazenda, e o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Autarquia Federal, vinculada ao Ministério da Justiça, os três sob o controle do Poder Executivo Federal.
Passa-se, então, a explicar cada um dos entes da administração pública.
SDE: É a secretaria responsável por instituir, dar iniciativa, à analise de possíveis infrações ao direito concorrencial, em atos de concentração econômica, v. g., fusões, aquisições, incorporações, etc.
SEAE: É a Secretaria responsável por investigar possíveis ações que repercutam em infrações ao direito de livre concorrência, bem como tem a competência de emitir pareceres econômicos em atos de concentração.
Segundo a Portaria nº 386/09, as funções da SEAE são as seguintes:

I - delinear, coordenar e executar as ações do Ministério, no tocante à gestão das políticas de regulação de mercados, de concorrência e de defesa da ordem econômica, de forma a promover a eficiência, o bem-estar do consumidor e o desenvolvimento econômico;
II - assegurar a defesa da ordem econômica, em articulação com os demais órgãos do Governo encarregados de garantir a defesa da concorrência:
    a) atuando no controle de estruturas de mercado, emitindo, pareceres econômicos relativos a atos de concentração no contexto da Lei n° 8.884, de 11 de junho de 1994;

    b) procedendo as análises econômicas de práticas ou condutas limitadoras da concorrência, instruindo procedimentos no contexto da Lei nº 8.884, de 1994; e

    c) realizando, em face de indícios de infração da ordem econômica, investigações de atos ou condutas limitadores da concorrência no contexto da Lei nº 9.021, de 30 de março de 1995, e da Lei nº 10.149, de 21 de dezembro de 2000;

III - acompanhar a implantação dos modelos de regulação e gestão desenvolvidos pelas agências reguladoras, pelos ministérios setoriais e pelos demais órgãos afins, opinando, a seu juízo ou quando provocada, dentre outros aspectos, acerca:
    a) dos reajustes e as revisões de tarifas de serviços públicos e de preços públicos;

    b) dos processos licitatórios que envolvam a privatização de empresas pertencentes à União, com o objetivo de garantir condições máximas de concorrência, analisando as regras de fixação das tarifas de serviços públicos e preços públicos iniciais, bem como as fórmulas paramétricas de reajustes e as condicionantes que afetam os processos de revisão; e

    c) da evolução dos mercados, especialmente no caso de serviços públicos sujeitos aos processos de privatização e de descentralização administrativa, para recomendar a adoção de medidas que estimulem a concorrência e a eficiência econômica na produção dos bens e na prestação dos serviços; 

IV - autorizar e fiscalizar, salvo hipótese de atribuição de competência a outro órgão ou entidade, as atividades de distribuição gratuita de prêmios, a título de propaganda, mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, e de captação de poupança popular, nos termos da Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971;

V - autorizar, acompanhar, monitorar e fiscalizar as atividades de que tratam os decretos-leis nº 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, e nº 204, de 27 de fevereiro de 1967;

VI - autorizar e fiscalizar as atividades de que trata o art. 14 da lei nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984;

VII - promover o desenvolvimento econômico e o funcionamento adequado do mercado, nos setores agrícola, industrial, de comércio e serviços e de infra-estrutura:
    a) acompanhando e analisando a evolução de variáveis de mercado relativas a produtos, ou a grupo de produtos;
    b) acompanhando e analisando a execução da política nacional de tarifas de importação e exportação, interagindo com órgãos envolvidos com a política de comércio exterior; 
    c) adotando, quando cabível, medidas normativas sobre condições de concorrência para assegurar a livre concorrência na produção, comercialização e distribuição de bens e serviços; 
    d) compatibilizando as práticas internas de defesa da concorrência e de defesa comercial com as práticas internacionais, visando à integração econômica e à consolidação dos blocos econômicos regionais; e
    e) avaliando e se manifestando expressamente acerca dos atos e instrumentos legais que afetem as condições de concorrência e eficiência na prestação de serviços regulados e de livre comercialização, produção e distribuição de bens e serviços.
IX - Formular representação perante o órgão competente, para que este, querendo, adote as medidas legais cabíveis, sempre que for identificada norma ilegal e/ou inconstitucional que tenha caráter anticonpetitivel;
X - desenvolver os instrumentos necessários à execução das atribuições mencionadas nos incisos I a VIII deste artigo; e

XI - promover a articulação com órgãos públicos, setor privado e entidades não-governamentais, também envolvidos nas atribuições mencionadas nos incisos I a VIII deste artigo.

CADE: É uma Autarquia Federal que possui legitimidade para decidir, na esfera administrativa, os processos iniciados pela SDE, recebendo seus respectivos pareceres. Devendo, assim, processar e julgar os processos administrativos que dizem respeito á manutenção da Ordem Econômica no Brasil.
Três ações fundamentais são de competência do SBDC:
Ação Preventiva: Quando da análise prévia da ações de concentração. Em geral as sociedades empresárias que pretendem tais ações, consultam anteriormente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Ação Repressiva: Quando da investigação, do processamento e possível punição de condutas anticompetitivas, como por exemplo, ações que visem domínio de mercado, cartéis, etc.
Ação Educativa: Quando da difusão do conceito e da cultura de concorrência, bem como da difusão das sanções para atos anticoncorrenciais.

Excelentíssimo? Senhor Ministro Luiz Fux


O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem, através do voto de desempate do novo Ministro Luiz Fux, que a malfadada Lei da Ficha Limpa deverá ser aplicada somente no próximo pleito eleitoral.
A decisão ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário nº 633.703 que discutiu a constitucionalidade da Lei Complementar nº 135/2010, bem como sua aplicação nas eleições de 2010.
O eminente novo Ministro da Corte Máxima brasileira argumentou que: “mesmo um bom direito não deve se sobrepor à Constituição Federal”.
Ora, não é novidade toda a estória de hierarquia do ordenamento jurídico, de regras de vigência e eficácia da norma, etc e etc.
Por melhor que sejam os argumentos jurídicos, será que existe realmente algum cidadão brasileiro que não concorde com a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa?
Quer dizer, a aplicação desde logo é opinião quase unânime da população brasileira. O que dizer então a respeito da decisão que nega sua aplicação imediata? Isto é jurisdição?
Renomados juristas argumentavam pela existência de um conjunto de normas internas, chamadas direito natural, advindas da condição de ser humano, que independem do contexto social, ou de qualquer conjunto de normas positivas.
Quer parecer que aplicação da Lei da Ficha Limpa comprova exatamente a existência deste direito natural, que certamente se sobrepõe a qualquer disposição formal do texto constitucional.
Como cidadãos, não queremos que nossos tão renomados Ministros do Supremo Tribunal Federal somente cumpram formalmente os textos legais, queremos que eles façam o correto. Ou será que alguém dúvida que o correto seria aplicar a Lei imediatamente e riscar da história de nossos poderes toda a escória de políticos criminosos dos quais todos nos envergonhamos?

quinta-feira, 24 de março de 2011

Administrador legal.


Figura importe na sociedade de advocacia atual é o administrador. De fato a ausência de gestor competente pode não significar o fim de um escritório de advocacia, mas certamente resulta em insucesso.
Administrar significa gerir, controlar, subordinar a regramento superior, e tudo isto com objetivo determinado.
Importante para a administração de escritório de advocacia é o estabelecimento de regras, o que possibilita a cobrança, e que por conseqüência faz com que os objetivos sejam alcançados.
A maior dificuldade encontrada quando se pretende implementar um plano de gestão em uma sociedade de advogados é a alteração da estrutura de funcionamento e do ritmo de trabalho.
O primeiro passo para a implementação de uma forma competente de gestão é a melhoria da estrutura organizacional. Os escritórios devem começar estipulando uma estrutura enxuta, e neste caso, os cortes de gastos são fundamentais, observe-se aqui, que fala-se em corte de gastos e não simplesmente de custos, quer dizer, o corte deve ser feito sobre aquilo que efetivamente não importe lucro razoável à sociedade. Assim, em uma estrutura empresarial o profissional de valor deve significar obtenção de lucros.
São comuns máquinas estruturais, em sociedades empresárias, demasiadamente custosas. E custosa é a maquina operacional que não gera lucros satisfatórios, ou seja, o corte de gastos não deve ser feito através da demissão de profissional com altos subsídios, mas sim com cortes de gastos que não frutifiquem lucros suficientes.
Deste modo, a alta qualidade dos profissionais que integram o quadro pessoal da sociedade pode ser mais custosa, mas, em contra-partida, resulta em atividades de alta lucratividade, já que de alta qualidade técnica.
O administrador de escritório de advocacia não precisa ser profissional da área da administração de empresas, mas deve possuir conhecimentos suficientes, aliás, conhecimento é outro fator fundamental para o funcionamento da estrutura organizacional, ou seja, é fundamental que o administrador conheça toda a estrutura à sua volta, e isto significa, também, conhecer cada funcionário, suas qualidades e limitações, e ainda, possuir sensibilidade para alocá-lo no lugar certo, onde será produtivo no limite máximo.
Os resultados são mediatos, a mudança de estrutura importará gradativamente na mudança de funcionamento e também de ganhos da sociedade de advogados.
Metas devem ser cumpridas, não somente pelos sócios, mas por cada funcionário ou advogado associado, todos devem se adaptar ao trabalho com metas.
Orçamentos e metas devem inexoravelmente ser cumpridos, o acompanhamento deve ser periódico.
Por fim, conclui-se que o bom administrador se ocupa da gestão financeira e administrativa, entende a estrutura do escritório, conhece cada profissional, sabe se utilizar da tecnologia que o cerca, possui objetivos definidos e projeta o futuro com coerência.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Administração de direitos e litígios.


 Definitivamente o jurista tradicional não pertence mais ao mundo das soluções dos litígios interpessoais. Não restam dúvidas de que, por vezes, a pior decisão de um profissional da advocacia é iniciar uma demanda judicial.
A afirmação acima sem dúvida parece incoerente, afinal, o que faz um advogado, se não, processar alguém?
O advogado à moda antiga não existe mais, ao contrário, quer parecer que o profissional da advocacia atual é mais um “administrador de direitos e litígios” do que um iniciador de demandas judiciais.
Esta é exatamente afirmação: “os advogados não devem processar e sim solucionar conflitos”.
De fato o processo judicial em muitos casos é a única solução diante das circunstâncias da lide, mas mesmo em casos complexos, o uso da razão pode nos mostrar a falta de objetivos da demanda judicial.
Talvez o maior exemplo disto sejam as demandas que envolvem litígios familiares. Quando o advogado profissional recebe em seu escritório um possível cliente com um conflito no âmbito familiar, a primeira opção que apresenta a seu próximo representado é o início de um processo judicial, pensando desta maneira atender seus  interesses, mas possivelmente ocorrerá o contrário.
De fato, em boa parte dos casos que se apresentam, o início e a perpetração de uma demanda judicial podem surtir efeitos, inclusive psicológicos, devastadores e permanentes.
Ademais, o processo judicial, especialmente no Brasil, possui vida longa, não só em virtude da existência de um número sem fim de recursos e possibilidades, mas principalmente pela demora da prestação jurisdicional.
E ainda que os argumentos apresentados não fossem corretos, em boa parte dos conflitos, a solução jurisdicional conseguida com o final do processo judicial não será satisfatória, seja por que o desgaste ocasionado pela demanda se reflita no resultado final, seja por que o magistrado, distante do litígio, pode não ser capaz de solucionar com a devida sensibilidade o conflito que se lhe apresenta.
Desde o início de nossas vidas aprendemos ser possível resolver conflitos de maneira racional, daí o fato de ser o advogado moderno um verdadeiro profissional da administração de direitos e litígios, quer dizer, é salutar que o advogado seja capaz de administrar a solução do problema.
O que se afirma é: o advogado não deve procurar iniciar demandas judiciais, mas deve sim procurar solucionar os problemas de seus clientes. E para solucionar problemas é necessário traçar a estratégia correta. Na solução de um conflito cada passo é importante, e por vezes, importante, é abste-se de dar um passo.
Deve-se, com clareza, também, balancear os prejuízos e os lucros advindos da estratégia escolhida, isto significa que qualquer que seja o caminho escolhido para a solução do problema, perdas ocorrerão, o importante é que os ganhos sejam maiores e satisfatórios no limite máximo do possível.
Por fim, a conclusão a que se chega é que, em extensão ao ensinamento de Nicolau Maquiavel, a solução dos conflitos interpessoais, por meio do profissional da advocacia, não deve seguir a regra de que “os meios justificam os fins”, ou seja, o objetivo do advogado não é o processo judicial em si, mas a solução definitiva do conflito, a estratégia de ação é somente traçada após a identificação e o posicionamento do objetivo final.
A advocacia, ao contrário da opinião apaixonada de muitos, nada mais é do que um empreendimento, e empreendimentos devem ser objetivos, racionais, determinados, regrados, lucrativos, daí por que, atingir o objetivo do cliente é essencial à sobrevivência da própria profissão.
É o que cabe no presente. Em futuro próximo far-se-á exposição e debate a respeito do caráter empreendedor do “negócio” chamado advocacia.

terça-feira, 22 de março de 2011

Conceito e conteúdo do Princípio da Capacidade Contributiva.


De maneira genérica, com base na doutrina tributária brasileira, pode-se afirmar que a capacidade contributiva consiste na verificação da capacidade econômica do sujeito passivo da relação tributária, modulando-se, por conseqüência, os efeitos da imposição financeira, de maneira que se coadune equitativamente com seus recursos sócio-econômicos. Neste sentido é a opinião dos ilustres: Roque Antonio Carraza[1], Luciano Amaro[2] e Hugo de Brito Machado[3].

Assim, importante a contribuição de Carrazza:

“Estamos convencidos de que o princípio da não-confiscatoriedade, contido no art. 150, IV, da CF (pelo qual é vedado utilizar tributo com efeito de confisco), deriva o princípio da capacidade contributiva. Realmente, as leis que criam impostos, ao levarem em conta a capacidade econômica dos contribuintes, não podem compeli-los a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades.
(...)
Os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das pessoas (mínimo vital), garantidas pela Constituição, especialmente em seus artigos 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação, transporte, etc.), não podem ser alcançados pelos impostos. Tais recursos devem ser salvaguardados pela cuidadosa criação de situações de não-incidência, ou mediante oportunas deduções, legislativamente autorizadas.[4]


Note-se que é intrínseca e essencial a presença dos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana no conteúdo da capacidade contributiva, conforme exposto anteriormente. É unânime a opinião da doutrina brasileira de que o princípio da capacidade contributiva, ou capacidade econômica (conforme dispositivo constitucional), é instrumento de justiça social.

Assim, interessante ressaltar os pontos sobre os quais se assentam as conceituações da doutrina brasileira para o princípio.

(a) Determinação da graduação da tributação, segundo a capacidade econômica do contribuinte;

(b) Imposição de que sejam reveladores os fatos geradores dos tributos;

(c) A capacidade contributiva é critério fundamental para o alcance da igualdade contributiva;

(d) Deve-se iniciar a tributação a partir do final da satisfação do mínimo vital do contribuinte;

(e) Impede o confisco do patrimônio do contribuinte.

Por fim, ressalte-se somente que a capacidade contributiva deve ser essencial para o estabelecimento do planejamento tributário. A observância do princípio é fundamental para o próprio estabelecimento dos tributos, ou mais especificamente, dos impostos. A capacidade contributiva deve ser elemento inicial tanto para a criação do tributo, que deverá procurar, sempre que possível, o critério da pessoalidade, como para a definição e graduação de alíquotas.


[1] CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo. Malheiros, 2004.
[2] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo. Saraiva, 2009.
[3] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo. Malheiros, 2004.
[4] Op. Cit., p. 93-94.