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quinta-feira, 14 de abril de 2011

O dispositivo “sempre que possível” no art. 145, §1º, da Constituição da República de 1988.

A primeira questão surgida a respeito da expressão “sempre que possível”, contida no art. 145, §1º, da Constituição da República é se a aplicação da capacidade econômica é uma faculdade para o legislador e para o administrador público, ou ainda se é um dever, e neste caso a expressão “sempre que possível” atribuiria a idéia de possibilidade fática e lógica.

Sobre a expressão “sempre que possível”, explica genericamente Paulo de Barros Carvalho:

A cláusula sempre que possível está pressuposta em toda e qualquer regulação da conduta, por um motivo muito simples: as normas jurídicas incidem, exclusivamente, no campo dos comportamentos possíveis, representando inusitado absurdo deôntico regular a conduta necessária (comportamentos intersubjetivos realizados em "estado de necessidade") ou a conduta impossível proibido, permitido ou obrigatório ir ao planeta Marte no próximo fim de semana). A região material sobre que incide o direito para governar as relações de inter-pessoalidade, orientando-as no caminho da realização dos conteúdos axiológicos que a sociedade persegue, é uma e somente uma: a região da conduta possível. Tanto assim que a supressão radical da cláusula em nada prejudica o produto legislado. Esta é mais uma das múltiplas dissonâncias entre o que diz o editor da norma e o que constitui, de fato, a mensagem que há de ser acolhida pelo receptor ou seu destinatário.”[1]


Assim, observe-se que a cláusula sempre que possível não importa em mera faculdade para o legislador; em verdade, as normas jurídicas somente incidem em fatos ou condutas possíveis, no caso específico do princípio da capacidade contributiva, impõe-se sua aplicabilidade somente a tributos onde a observância da capacidade contributiva tem sentido lógico, quer dizer, somente para aqueles tributos pessoais, onde seja possível, a análise da capacidade econômica. Para outros tributos, chamados reais, não há que se falar em capacidade econômica, na verdade, não existe relação lógica entre a análise da capacidade do contribuinte com o fato gerador do tributo.

Paulo de Barros Carvalho, faz verdadeira crítica às expressões “sempre que possível”, que figuram em alguns dispositivos legais brasileiros, o professor afirma que a súbita extração da expressão em nada alteraria o conteúdo da norma, uma vez que a normatização de condutas e fatos sempre se opera dentro do possível fático.
           
Além destas considerações deve-se afirmar que a expressão “sempre que possível” tem tido outras interpretações pela doutrina brasileira, sendo, por muitos, combatida veementemente.

A questão principal levantada pela doutrina é quais seriam exatamente as situações em que deve o legislador obedecer ao princípio e em quais estaria o legislador dispensado de sua aplicação. Ocorre, entretanto que q pela disposição gramatical do art. 145, §1º da Constituição da República, a expressão sempre que possível parece se relacionar tanto ao caráter pessoal do tributo, quanto à capacidade econômica do contribuinte, daí a interpretação de parte da doutrina de que “sempre que possível” estaria relacionada tanto à capacidade contributiva, quanto ao caráter pessoal do tributo, assim, sempre que possível o tributo terá caráter pessoal, e sempre que possível será considerada a capacidade contributiva do contribuinte.

Para outra parte da doutrina o melhor entendimento é que a expressão “sempre que possível” relaciona-se somente ao caráter do tributo, e não à aplicação do princípio da capacidade econômica, tendo em vista que para todo tributo de caráter pessoal é possível a aplicação do princípio.

Eduardo Maciel Ferreira Jardim afirma que:

“É bem de ver que a cláusula “sempre que possível” não traduz mera faculdade à disposição do legislador infraconstitucional, mas imperativo no sentido de privilegiar os impostos pessoais, prioritariamente, e, secundariamente, criar também impostos de natureza impessoal, a teor dos incidentes sobre a produção e a circulação, dentre outros. (...)
Entendemos, realmente, que esse primado constitucional é aplicável a todos os tributos, pois em nenhum momento o legislador poderá fazer tábula rasa da capacidade contributiva. Ademais, assinalamos, insistindo, que a capacidade contributiva de também permear todos os tributos, pois, em se tratando de taxas, contribuições e empréstimos compulsórios, a hipótese de incidência não é a atividade estatal em si, mas a conduta particular a ela correspondente.”[2]

Em conclusão, muito se tem discutido na doutrina brasileira acerca da expressão sempre que possível, entretanto, tem vencido o argumento doutrinário e jurisprudencial que afirma que os tributos podem ser de caráter pessoal ou impessoal, entretanto, sempre que forem pessoais é poder/dever do legislador aplicar a capacidade contributiva.

Façamos somente uma ressalva, acreditamos que mesmo em tributos de caráter impessoal é possível a aplicação genérica de capacidade contributiva, assim, impostos que incidam sobre consumo, por exemplo, podem ter alíquota diminuída para bens e serviços utilizados por classes menos favorecidas da sociedade, mesmo que aproveitem destas reduções pessoas de classes mais favorecidas, o importante é a não ocorrência do confisco e a não marginalização de parte carente da sociedade.



[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva, 2005, p. 208.
[2] JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de direito financeiro e tributário. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 181.

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