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quinta-feira, 31 de março de 2011

A interação entre o conceito de Estado e a nacionalidade.

Por José Eduardo Figueiredo de Andrade Martins
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Aluno do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado.     

Assim como definem quase que unanimemente os doutrinadores, a existência do Estado está condicionada a três fatores indispensáveis: soberania, território e povo.
  Sem a pretensão de se esgotar o assunto na seara dos conceitos de cada um dos fatores, tendo em vista as discussões existentes, tem-se a visão tradicional que a soberania é o fator formal, traduzido pelo poder exercido pelo Estado sobre o território e o povo, estabelecendo sua organização política sem a interferência de outro Estado. O território, por sua vez, como fator material, é a base física ou geográfica do Estado, que estabelece os limites da soberania, define as fronteiras pelas quais o Estado poderá exercer o seu poder supremo. Por fim, o povo, também como fator material, é definido como o conjunto de pessoas que pertencem ao Estado, ligados por um vínculo jurídico-político chamado de nacionalidade.
  Ocorre que nos tempos atuais, com o avanço das legislações pátrias decorrentes da cada vez maior interação e desenvolvimento dos países, principalmente por conseqüência da globalização, os fatores elementares do Estado necessitam de mecanismos funcionais e claros para que consiga proteger o seu povo e território através do exercício pleno de sua soberania. Como forma elucidativa, será tomado o exemplo das relações entre Estados, em especial o brasileiro, no tocante à nacionalidade.
  O indivíduo está intimamente ligado a um Estado através de sua nacionalidade, pois esta cria, conforme já dito, um vínculo jurídico-político entre eles, fazendo com que aquele possa desfrutar de direitos e se submeta a obrigações impostas por este. Este vínculo, contudo, não nasce somente a partir do nascimento no território em que aquele Estado exerce sua soberania, mas também pode decorrer de uma aquisição voluntária, nos termos da legislação do país que se pretende adquirir a nacionalidade. É a chamada dimensão vertical da nacionalidade, expressão criada por Paul Lagarde para classificar referido vínculo criado entre o indivíduo e o Estado.
  Especificamente no caso da República Federativa do Brasil, a Constituição Federal cria a possibilidade de aquisição da nacionalidade de forma originária ou voluntária, podendo o indivíduo, conforme o caso, ser brasileiro nato ou naturalizado. Conforme o artigo 12, I, o brasileiro nato é aquele definido pelo critério ius solis e ius sanguinis, conjugado com os termos que especifica. Por outro lado, o brasileiro naturalizado, estampado no inciso II do mesmo dispositivo, ocorre de forma expressa, por meio de um procedimento de naturalização, nas situações que especifica.
  A primeira questão a ser levantada é a seguinte: a partir do momento que a Constituição Federal diferenciou o brasileiro nato do naturalizado, há alguma outra distinção além da nomenclatura e do modo de sua aquisição? A resposta é afirmativa. Ainda que a regra geral seja de igualdade, consoante o princípio da isonomia adotado pela Carta Magna, o artigo 12, parágrafo 2º prevê que ela própria poderá ressalvar casos em que há tratamento diferenciado.
  Exemplo claro é o da extradição. O artigo 5º, inciso LI veda a possibilidade de extraditar o brasileiro nato, mas define duas situações em que o naturalizado poderá sofrer essa sanção: no caso de prática de crime comum antes da naturalização e pela prática de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, seja antes ou depois da naturalização.
  Dentre suas peculiaridades, pode-se afirmar que seu procedimento está previsto, basicamente, na Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro) e no Regimento Interno do STF, haja vista que este tribunal é o competente para análise do mérito do pedido, isto é, pronunciar acerca da legalidade e procedência do pedido, conforme artigo 102, inciso I, alínea “g” da Lex Major. Além disso, é desejável, ainda que não seja motivo impeditivo, o Estado brasileiro possuir Tratado de Extradição com o Estado estrangeiro que queira realizar a medida, como forma de facilitar o trâmite do procedimento.
  A principal razão da distinção criada pelo constituinte neste caso é provavelmente fundada na hierarquia de valores e de bens jurídicos tutelados pela Constituição. O tráfico de drogas e entorpecentes é tido como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, cláusula esta posta como pétrea, ou seja, inalterável e insuprimível. Além disso, o combate ao tráfico é destacado como objetivo primordial da polícia federal no artigo 144, parágrafo 1º, inciso II e objeto de programa de prevenção e atendimento especializado específico à criança, ao adolescente e ao jovem dependente no artigo 227, parágrafo 3º, inciso VII. Como se não fosse o bastante, é um dos motivos mais freqüentes de expulsão do estrangeiro, consoante se extrai da leitura do sítio do Ministério da Justiça[1]. O crime comum, por sua vez, só terá importância concreta, real ao Estado brasileiro a partir do momento em que é cometido por um brasileiro, pois cometido por indivíduo integrante de seu povo.
  Ora, o indivíduo que era estrangeiro e se tornou brasileiro naturalizado passou por todo um procedimento de naturalização, sendo esperado que seu acolhimento trouxesse benefícios, vantagens para o Estado brasileiro; era esperada uma contribuição positiva. Ocorre que sua atuação foi contrária: causou grave violação ao ordenamento jurídico, aos principais valores reconhecidos pela Constituição e, dessa forma, sua punição deve extrapolar a garantia antes concedida pela nacionalidade. O povo, portanto, ainda que fator essencial do Estado, pode ter o vínculo político-jurídico parcialmente dissolvido quando se tratar de brasileiro naturalizado nos casos de extradição previstos constitucionalmente.
  Só que o Estado não possui apenas medidas compulsórias de distinção entre nacionais, mas também entre estes e os estrangeiros. Existem medidas que impedem a permanência de estrangeiro no Estado brasileiro, como uma exceção ao princípio geral da isonomia (aplicável não somente aos brasileiros, mas a todos os seres humanos que estejam no território brasileiro) adotado pela Carta Magna. Adianta-se que se tratam de medidas que reforçam a soberania de um Estado sobre o seu território, em defesa de seu povo, exercendo seu poder absoluto para manter a sua unidade orgânica.
  Tratemos inicialmente da medida mais comum ao cotidiano: a deportação. Diferentemente da extradição que está relacionada a um delito, a deportação trata da estada ou entrada irregular de um estrangeiro em território nacional que, caso não se retire voluntariamente no prazo fixado, sua saída torna-se compulsória. Nessa situação, é nítida a imposição da soberania do Estado sobre o seu território, não permitindo a permanência de estrangeiros que não observaram o procedimento previsto para que nele ingressem.
  Ocorre que em situações específicas, a deportação pode se tornar outra medida: a expulsão. Sem prejuízo da aplicação da medida sem relação à deportação, a expulsão acontece na situação de existirem indícios sérios de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro no território nacional, por ato exclusivo do Presidente da República, o qual verifica a sua conveniência e oportunidade ou os motivos de sua revogação. O artigo 22, inciso XV da Lex Major dispõe ser de competência privativa da União legislar sobre a expulsão de estrangeiro, como fora feito no Estatuto do Estrangeiro, em seus artigos 65 e 71 e na Lei nº 6.815/80, que trata do processo administrativo para aplicação da medida.
  Na hipótese da expulsão, um ponto importante deve ser destacado: é nítida a intenção do legislador e do constituinte de resguardar o povo contra atos violadores do ordenamento jurídico pátrio, evidenciando a soberania Estatal ao permitir que este expulse o estrangeiro que atente contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
   Evidência clara da soberania Estatal está na pena de banimento, vedada pela Constituição Federal brasileira. A proibição de envio compulsório de brasileiro, seja ele nato ou naturalizado, mostra que o próprio Estado deseja punir aquele que atentou contra sua estrutura. Coloca como seu dever penalizar o agente do delito. Inclusive, explica a possibilidade de somente haver a hipótese de expulsão de estrangeiro, pois como o Estado, por meio de seu poder soberano, tutelou os bens jurídicos daquele agente e dos outros integrantes do povo, a quebra dessa ordem traz ao Estado a obrigação de restabelecê-la.
  Por fim, existe a medida da repatriação, que consiste no impedimento do clandestino de ingressar em território nacional pela fiscalização fronteiriça e aeroportuária brasileira. Assim como no caso da deportação, é cristalina a imposição da soberania Estatal sobre o seu território, impedindo o ingresso de estrangeiros clandestinos.
  Por todas as medidas expostas, constata-se o seguinte: em todas há atuação ativa do Estado, exercendo seu poder soberano, ora com mais intensidade sobre o seu território, ora sobre o seu povo. O que fica claro, a bem da verdade, é a confirmação de sua soberania, do seu poder absoluto sobre os outros fatores, concretizado pelas medidas compulsórias previstas tanto pela Constituição Federal quanto pela legislação infraconstitucional.
  É necessário ressaltar, porém, que não só de medidas de distinção entre brasileiros natos e naturalizados e estrangeiros se vale o ordenamento jurídico brasileiro, mas de medidas integradoras também. Como exemplo temos as medidas de refúgio e reassentamento.
  A primeira, criada pela Lei nº 9.474/97, consiste na proteção do Estado brasileiro de indivíduos (e, às vezes, de populações inteiras) que sofrem perseguições política, racial ou étnica ou então, escapando de uma intolerável guerra que ocorre em seu Estado. Sob a denominação de refugiado, o Estado brasileiro permite que este indivíduo ingresse em seu território, se relacione com o seu povo, tudo sob o seu olhar protetor representado pelo Comitê Nacional para os Refugiados – Conare. Destarte, o estrangeiro encontra no Estado brasileiro uma perspectiva melhor de vida, a vista dos fatores que o compõem como mais favoráveis que aqueles de sua terra natal.
  O reassentamento, por sua vez, é basicamente uma conseqüência do refúgio. Ocorre quando por questões de segurança ou integração o refugiado não pode permanecer no país de origem nem no primeiro país de acolhida. No tocante à questão da segurança, verifica-se principalmente a proteção Estatal sobre seu povo, pois aquele refugiado pode ameaçar a tranqüilidade e o convívio pacífico da sociedade. Já no tocante à integração, é obrigatório esclarecer alguns pontos preliminarmente.
  Retomando a classificação criada por Paul Lagarde, a nacionalidade tem a sua dimensão vertical, já esclarecida como o vínculo jurídico-político existente entre o indivíduo e o Estado, e a dimensão horizontal, que se trata do relacionamento do indivíduo com a comunidade em que convive, que constitui o fator denominado “povo” do Estado. Esta última é, portanto, uma dimensão sociológica da nacionalidade, da relação entre os indivíduos.
  A integração está intimamente ligada ao relacionamento entre os indivíduos que compõem uma comunidade, pois evidencia o grau de relações sociais existentes e realizadas no âmbito daquele território, sob a tutela do Estado, no exercício de sua soberania. Dessa forma, o reassentamento se relaciona muito mais com a dimensão horizontal da nacionalidade do que a vertical, pois diz respeito ao prejuízo às relações sociais realizadas no território Estatal pela presença do estrangeiro refugiado. Tanto é um aspecto delicado que a própria Lei nº 9.474/97, em seu artigo 46, tratou de prever a atuação coordenada de órgãos e organizações não-governamentais para efetuar o reassentamento no Brasil.
  Por todo o exposto, é patente a existência de todas estas medidas como meio de proteção da instituição do Estado. Só que referidas medidas, apesar de terem a finalidade de manter o status quo, diferem na ênfase a qual fator elementar do Estado a proteção estará voltada. Por ora, como no caso da deportação e repatriação, a ênfase está voltada ao território. Já nos casos extradição e expulsão, o fator indispensável que recebe maior proteção é o povo. A parte disso, a soberania encontra-se presente em todos os casos, pois é dela que se originam todas as medidas aplicáveis aos nacionais e estrangeiros aqui discutidas.
  Assim, a questão da nacionalidade e seus desdobramentos estão intimamente ligados à existência do Estado, seja como forma de proteção da instituição, de combate às intervenções estrangeiras e de distinção daqueles indivíduos que o compõem ou estão autorizados a compô-lo, ora como forma de integração com Estados estrangeiros, por meio de cooperações internacionais que a passos largos contribuem para o avanço da globalização e da formação da chamada aldeia global.

Referências bibliográficas:
- BRASIL. Sítio do Ministério da Justiça. Disponível em: http://www.mj.gov.br. Acesso em 28/10/2010.
- LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

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